Comicopera, Robert Wyatt (2007, Domino)
Robert Wyatt é uma lenda viva da música britânica.Nascido em Bristol, no ano de 1945, conta com uma extensíssima obra, tanto a solo como enquanto parte dos Soft Machine ou dos Matching Mole. O seu mais recente trabalho, o primeiro editado pela Domino dá pelo nome de "Comicopera" e é o último destaque de Pop e Circunstância neste Novembro.
Robert Wyatt foi, desde sempre, um artista politizado. Como tal, não vê nos dias de hoje muitos motivos para rir. Talvez por isso tenha feito um álbum como Comicopera que, mais que um álbum de intervenção com um título sarcástico, é a transformação do desencanto num manifesto em três actos que, não sendo espaços estanques, dão a Wyatt e convidados (destaquem-se Brian Eno, Phil Manzanera ou Anja Garbarek) o à-vontade necessário para dissecar meticulosamente os diversos níveis desse sentimento.
O primeiro acto de Comicopera ("Lost in Noise"), lida com a insatisfação pessoal e com sentimentos de perda com que Wyatt se tem vindo a familiarizar cada vez mais desde 1973, quando se viu permanentemente preso a uma cadeira de rodas, na sequência de uma queda de um terceiro andar. É em "Lost in Noise" que se podem encontrar as músicas mais intimistas do álbum, caso da reinterpretação de Stay Tuned, na companhia da sua autora, Anja Garbarek, de Just as You Are com a brasileira Mônica Vasconcelos, ou a pérola que é You, You.
Se em "Lost in Noise" Wyatt está virado para dentro, em "The Here and the Now" olha para o mundo que o rodeia com um olhar crítico e por vezes corrosivo, dando atenção especial à temática da guerra e a sua identificação com o espaço anglófono. Se a primeira música deste segundo acto se chama A Beautiful Peace e sugere um passeio pelo countryside britânico, a verdade é que os seus últimos versos, "it's a beautiful day/but not here", traduzem a mudança de tom no álbum, que vai substituindo gradualmente a melancolia pela revolta, materializada no conjunto formado por A Beautiful War e Out of the Blue, em que Wyatt assume primeiro a personagem de um piloto de um bombardeiro prestes a destruir uma povoação, para logo a seguir descer à terra e dar voz à população que vê as suas casas destruídas sem sequer entender porquê.
"You've planted all your everlasting hatred in my heart" é a última fala que Robert Wyatt atribui aos bombardeados de Out of the Blue (a última faixa de "The Here and the Now"), e é também a última frase em inglês que canta em Comicopera, uma vez que o último acto, "Away with the Fairies", representa a fuga do músico para fora do espaço anglófono, semeador de guerras. Aqui, canta em espanhol (oiça-se Canción de Julieta, versão musicada para um poema de Federico García Lorca) e em italiano, línguas representativas de um espaço de paz onde se tenta refugiar, mesmo esquecendo que tanto a Espanha como a Itália foram apoiantes da guerra contra a qual se revolta. Em "Away With the Fairies", estão canções menos coesas que no resto do álbum (Fragment), até pelas infiltrações de ritmos mediterrânicos e caribenhos (a versão para o clássico cubano Hasta Siempre, Comandante), que se vão espreguiçando docemente, dando final ao álbum.
Comicopera deslumbra pela elegância e subtileza que Robert Wyatt espalha nas suas inquietações e, aos 62 anos, é um testemunho da vitalidade do multi-instrumentista britânico. Descobrir este álbum, por sua vez, é motivo para ligar o rádio nos 107.9, todos os dias desta semana, entre as 11h e as 13h.
O primeiro acto de Comicopera ("Lost in Noise"), lida com a insatisfação pessoal e com sentimentos de perda com que Wyatt se tem vindo a familiarizar cada vez mais desde 1973, quando se viu permanentemente preso a uma cadeira de rodas, na sequência de uma queda de um terceiro andar. É em "Lost in Noise" que se podem encontrar as músicas mais intimistas do álbum, caso da reinterpretação de Stay Tuned, na companhia da sua autora, Anja Garbarek, de Just as You Are com a brasileira Mônica Vasconcelos, ou a pérola que é You, You.
Se em "Lost in Noise" Wyatt está virado para dentro, em "The Here and the Now" olha para o mundo que o rodeia com um olhar crítico e por vezes corrosivo, dando atenção especial à temática da guerra e a sua identificação com o espaço anglófono. Se a primeira música deste segundo acto se chama A Beautiful Peace e sugere um passeio pelo countryside britânico, a verdade é que os seus últimos versos, "it's a beautiful day/but not here", traduzem a mudança de tom no álbum, que vai substituindo gradualmente a melancolia pela revolta, materializada no conjunto formado por A Beautiful War e Out of the Blue, em que Wyatt assume primeiro a personagem de um piloto de um bombardeiro prestes a destruir uma povoação, para logo a seguir descer à terra e dar voz à população que vê as suas casas destruídas sem sequer entender porquê.
"You've planted all your everlasting hatred in my heart" é a última fala que Robert Wyatt atribui aos bombardeados de Out of the Blue (a última faixa de "The Here and the Now"), e é também a última frase em inglês que canta em Comicopera, uma vez que o último acto, "Away with the Fairies", representa a fuga do músico para fora do espaço anglófono, semeador de guerras. Aqui, canta em espanhol (oiça-se Canción de Julieta, versão musicada para um poema de Federico García Lorca) e em italiano, línguas representativas de um espaço de paz onde se tenta refugiar, mesmo esquecendo que tanto a Espanha como a Itália foram apoiantes da guerra contra a qual se revolta. Em "Away With the Fairies", estão canções menos coesas que no resto do álbum (Fragment), até pelas infiltrações de ritmos mediterrânicos e caribenhos (a versão para o clássico cubano Hasta Siempre, Comandante), que se vão espreguiçando docemente, dando final ao álbum.
Comicopera deslumbra pela elegância e subtileza que Robert Wyatt espalha nas suas inquietações e, aos 62 anos, é um testemunho da vitalidade do multi-instrumentista britânico. Descobrir este álbum, por sua vez, é motivo para ligar o rádio nos 107.9, todos os dias desta semana, entre as 11h e as 13h.
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